segunda-feira, 9 de maio de 2016

EXPEDIÇÃO EX ESCRAVOS DE JÓ - 30/04/2016

EXPEDIÇÃO COM OS SEGUINTES MEMBROS DO GAIA SPELEO CURVELO:
TONHÃO COSTA, GERALDO PEREIRA, MARCELO MOURA E SEUS FILHO PEDRO E ANDRÉ.
Mapa da Expedição Ex Escravos de Jó


A alcunha da expedição - Ex escravos de Jó - é mais uma lavra do Marcelo Moura. Sempre impreterível, à inglesa: Saímos de Curvelo às 11:00 horas da manhã. Em poucos mais de 30:00 minutos chegamos no Morro do Coroado.


Deixamos o carro e seguimos para o caminho à esquerda do Coroado, acessível após se transpor uma cerca de arame liso. Seguimos por essa estrada sempre atentos, pois a intenção principal dessa vez era reencontrar o ou os primatas que avistamos na Expedição Exodontia para confirmar a identificação. Não logramos êxito. Por todo o percurso toquei o playback da vocalização das espécies que poderiam ser - muriqui-do-sul ou mono-carvoeiro (Brachyteles arachnoides) ou muriqui-do-norte (Brachyteles hypoxanthus). Não sei exatamente se o playback serviria para alguma coisa, é uma técnica muito boa para aves - mas não custa nada tentar. Chegamos a um ponto em que comumente lanchamos quando seguimos essa rota onde Marcelo e Tonhão debatiam sobre a que rumo seguir. Pelo GPS Marcelo orientou que subíssemos. Fomos reto então por esse ponto, até chegarmos a um local onde as pedras se encontram bastante descobertas da vegetação e de qualquer estrato terroso. Como se tivessem sido depositadas umas sobre as outras propositalmente. Mandacarus (seriam mesmo?) cresciam aqui e ali. Pedro, o filho mais velho de Marcelo, se pôs a cortar com um facão um belo espécime desses cactáceos. Recebeu uma lição de seu pai sobre a importância de mantermos intacto o ambiente que visitamos. Aliás, investido da autoridade paterna e envergado na sapiência que o cargo lhe empresta, ele puxou para a conversa o seu outro filho, André. Deixou claro que a nossa missão é tão somente analisar, colher as informações que os seres e as coisas nos fornecem. Não podemos interferir negativamente com a nossa busca pelo conhecimento. Aquela foi uma pontual, interessante e necessária aula de educação ambiental.

Continuamos nos afastando desse local onde pedras formam tabuleiros. Belas cápsulas abertas de jequitibá-branco (Cariniana estrellensis (Raddi) Kuntze) Lecythidaceae estavam dependuradas em outra árvores que não consegui identificar. Conversamos sobre essa importante espécie e a riqueza da flora ali existente. Em um determinado momento percebemos que estávamos em um ponto ainda inexplorado. Ao fazermos uma breve avaliação e o Marcelo balizado pelo GPS nos vimos obrigados a retornar.  Começamos então o retorno e logo fomos surpreendidos por uma fenda na rocha. Tonhão aventou que poderia ser algo de interesse. Fizemos uma avaliação meticulosa do local. Deparamo-nos com uma abertura logo após uma árvore cheia de liquens esverdeados onde havia uma bela aranha. Fiquei ali, fotografando o aracnídeo enquanto Tonhão já se encontrava no interior da gruta. Marcelo ficou sobre esse local e seus filhos avançaram para dentro da abertura. Entrei também, pois o entusiasmo dos companheiros me encheu de curiosidade.

Era, sem dúvidas, uma bela cavidade: calculamos em torno de 10 metros quadrados, depois me indaguei se não seria menos (temos que providenciar logo um aparelho, mesmo que rústico, para essas medições). Esse salão me intrigou mais ainda por ser o único onde pudemos constatar de fato a presença de formações calcárias formando um interessante espeleotema ainda não observado no Morro do Coroado. Helictites e escorrimentos forravam o teto da cavidade. Foram, sem dúvidas, formadas pela ação da penetração de água da chuva, já que não identificamos ainda na montanha algum curso d'água - tal encontro seria demasiado incrível. Em uma das helictites, uma formação, não muito grande, instigava pela sua característica. Era uma estrutura dentilhada nas bordas, côncava, as suas paredes eram ligeiramente lisas. Olhando de perfil lembrava um cabochão de gema grosseiramente lapidada. Abaixo dela um escorrimento brilhante que André observava curioso. Pedro vasculhava com uma lanterna outras formações do teto enquanto com outra Tonhão iluminava uma fenda acima e a direita da entrada principal. Aventei que poderíamos encontrar fóssil, mas Tonhão bem assegurou que deveras havia essa possibilidade, muito embora o que vinha do teto e de fora pelas chuvas depositava-se no solo. Milhares ou milhões de anos de deposição só poderiam ser transpostos com o uso de adequadas ferramentas e preparo técnico - do que estávamos desprovidos na ocasião. Ainda dentro da gruta indagamos sobre a alcunha a qual deveríamos tratar aquele novo encontramento. Decidimos de denominá-la "Gruta do André" - em homenagem ao jovem filho do Marcelo, guerreiro de todas as viagens.
Saímos da Gruta do André partindo a direita sobre ela. Após uma subida relativamente tranquila nos deparamos, apenas com o percalço de algumas pedras soltas, mas plenamente transponíveis, com um trecho de descida mais complexo.  Tonhão já se encontrava bem à frente enquanto Marcelo auxiliava os seus filhos na descida. Atrás, analisei sobre as árvores se via algum vestígios dos primatas.
Do ponto onde eu estava era possível ver a pedra aonde vimos ele subir ligeiro na expedição anterior. Argumentei que devíamos seguir em frente e logo estaríamos naquele local. Marcelo positivou a minha opinião pelos dados do GPS. - Se a gente seguir uns 50 metros aí em frente vamos chegar nela. Seguimos, portanto. Era possível ouvir com nitidez o zunizar de abelhas. Muitas abelhas. Pensei comigo que poderia ser um enxame em revoada, ou talvez estivessem alvoroçadas com a nossa presença. Preocupei-me com a possível defesa dos insetos (sou terminante contra a ideia de que o animal ataca o ser humano. Raras vezes isso é verdade. Quando um animal, seja ele qual for tenha ele o porte e a agressividade que tiver nos agride ele está apenas se defendendo. Defendendo a sua casa, a sua cria, o seu território. Infelizmente incutimos nos demais seres vivos a ideia de que somos uma ameaça. Ameaça que somos, devemos ser evitados, achincalhados, expulsos! É a lei a sobrevivência).
Encontramos um local que dava em um despenhadeiro. Recuei. Tonhão chegou a beira e atestou ser o local intransponível. Recuamos todos, fazendo o caminho inverso. Subimos a fenda que custamos a descer e atingimos a porta da gruta recém-descoberta. Paramos para descansar e nos alimentar. Após um breve período decidimos descer e encontrar a estrada novamente. Tonhão exclamou interrogante, como um esbravejo: - Caramba sô, será que nos perdemos de novo? O "de novo" se explica pela tônica das outras expedições, sempre recheadas de "estamos perdidos". Encontramos a estrada e sentamos no chão mesmo. Enquanto analisavam os dados das máquinas eu toquei o pula pula (Basileuterus culicivorus), o balança-rabo-de-máscara (Polioptila dumicola) o cabeçudo (Leptopogon amaurocephalus) e o chorozinho-de-chapéu-preto (Herpsilochmus atricapillus). Todos responderam bem, mas um casal de pula pula se mostrou bastante territorialista. Mesmo depois de muito tempo de ter parado de tocar a sua vocalização eles insistiam em nos seguir pelo topo das árvores. Nesse ínterim percebi que os quatro companheiros subiam novamente ligeiramente alinhados à esquerda. Eu subi também, mas à direita. Cheguei sobre um pequeno elevado de onde avistei uma bela barriguda (Ceiba pubiflora) florida. Argumentei que tínhamos de seguir à direita. Tonhão queria à esquerda. Marcelo era da minha posição. Tínhamos um breve impasse. Sentaram-se lá onde estavam, argumentando, enquanto os meninos balbuciavam entre si. Não participei dessas averbações por estar demasiado a frente. Depois de um breve debate eles aprumaram ao meu rumo. Logo entendi que o Marcelo havia convencido o Tonhão, pelos dados do GPS, que havíamos andado quase que em círculos. Subimos portanto - e demos de cara com a gruta das abelhas! A toca da aranha-maria-gorda (Nephilengys cruentata)! O paredão onde o macaco havia subido com extrema ligeireza quando da Expedição Exodontia. Marcelo e os filhos sentaram-se aliviados e puseram-se a lanchar. Argumentei com Pedro se ele já havia visto as pinturas rupestres. Ao responder negativamente Tonhão e eu o convidamos a vir assistir in loco a história. Era uma gruta com inscrições já observadas na Expedição Mula-sem-cabeça (que devemos descrever em breve). Ficamos felizes ao perceber que haviam outras pinturas. Mais uma vez os peixes eram protagonistas. Uma figura arredondada  com quatros pontos saindo como que esgalhados da sua parte superior me chamou mais a atenção. Para mim é trata-se da representação de uma Ceiba pubiflora. Eu, no lugar de um pintor de outrora, não deixaria de tentar representar aquelas belezas imponentes.
Próximo a uma fenda, na base inferior de uma rocha, diversas pinturas se encontravam sob uma fina manta calcária. Tonhão aventou se deveríamos tentar retirar essa camada, eu disse a ele que não seria prudente de nossa parte nenhuma tentativa, já que não temos experiência para tal empreendimento. Deveríamos agir como agimos com as demais pinturas:  jamais manipular, jamais tentar limpar - apenas observar. Documentamos essas novas inscrições enquanto as abelhas ficavam cada vez mais arredias. Eu disse ao Tonhão que era a hora de sairmos dali, caso contrário teríamos dissabores com as Apis melifera. Fomos então para onde estavam Marcelo e André. Aproveitamos para lanchar e descansar. Um acauã (Herpetotheres cachinnans) cantava ao longe.
Andei ali por perto olhando o paredão. Um ponto preto voou e se empoleirou em um chichá (Sterculia striata).  Fotografei de longe. Era uma maria preta (Knipolegus sp.). Não pude comprovar a espécie com exatidão já que as fotos ficaram demasiado ruins. Subi com dificuldade um caminho até ao seu encalço sempre tocando o playback dos mais variados Kinopolegus possíveis de ser encontrados na região.Em vão, a ave desapareceu sobre o Coroado.
Desci desse ponto desapontado e fui em direção aos demais exploradores que continuavam em repouso. Sentei ali novamente um pouco, mordiscando uma maçã que Tonhão me ofertou. Eu estava de certa forma inquieto e levantei-me novamente. Não que havia algum incômodo, mas simplesmente não conseguia ficar parado. Avancei à direita ouvindo a vocalização das aves. Pude comprovar a presença do pica-pau-anão-barrado (Picumnus cirratus), um bando de gralhas, distantes, acredito que picaça (Cyanocorax chrysops), pitiguari (Cyclarhis gujanensis), graúnas (Gnorimopsar chopi) - que sempre vocalizam da fazenda depois da estrada que leva ao Coroado. Logo Tonhão me alertou de que estavam começando a descida definitiva. Descemos reto, saindo logo na estrada, bem no ponto onde havíamos parado para lanchar. Enquanto eu comia uma maçã e fotografava uma abelha das orquídeas (família Apidae, tribo Euglossini) Marcelo e Tonhão demarcavam aquele ponto para que nunca mais nos perdêssemos partindo dele.
Voltamos para o carro e demos término à Expedição Ex Escravos de Jó. Seria de se esperar uma frustração por não termos encontrado o ou os macacos, mas encontramos uma nova gruta e novas pinturas rupestres. A pior expedição é aquela em que sequer chegamos a sair de casa para executá-la. Em campo todo resultado é positivo.

 

Galeria de fotos

domingo, 8 de maio de 2016

sábado, 7 de maio de 2016


MORRO DO COROADO - PRESIDENTE JUSCELINO (MG)

VISUALIZAÇÃO DAS NOVES GRUTAS EXPLORADAS NO MORRO DO COROADO - EM PRESIDENTE JUSCELINO MG- TAMBÉM CONSTA LOCAIS DOS SÍTIOS ONDE ENCONTRAMOS INSCRIÇÕES RUPESTRES. 

domingo, 1 de maio de 2016

sábado, 23 de abril de 2016

EXPEDIÇÃO EXODONTIA - 23.04.2016.

EXPEDIÇÃO EXODONTIA - 23.04.2016.

EXPEDIÇÃO COM OS SEGUINTES MEMBROS DO GAIA SPELEO CURVELO:
TONHÃO COSTA, GERALDO PEREIRA, CARLOS KARATE OLIVEIRA, MARCELO MOURA E SEU FILHO ANDRÉ. LOCALIZAMOS O ABRIGO COM INSCRIÇÕES RUPESTRES E MAIS UMA GRUTA A DE NUMERO SETE NAQUELE MORRO.















Relato da Expedição Exodontia

 O nome da expedição - Exodontia - é uma lavra criativa do Marcelo Moura e faz uma alusão ao dia anterior, dia de Tiradentes.
Saímos de Curvelo Tonhão, Marcelo Moura, seu pequeno e valente filho André e eu impreterivelmente às 08h30min, destino mais uma vez Morro do Coroado, Presidente Juscelino. Nesta cidade encontramos com o Carlos Karatê. Fomos a uma padaria onde nos abastecemos com água e algumas miudezas além das que levávamos, já que o tempo de estadia no Coroado nessas atividades é impreciso, e não se pode estimar com presteza o tempo gasto. Doravante, o desgaste físico também é evidente, sempre quando finda uma tarefa assim todos se mostram extenuados. Depois desses pequenos afazeres seguimos para o Coroado. As 09h30min, mais ou menos, estávamos no sopé do morro. O objetivo dessa vez era chegar a um paredão com inscrições ainda não bem registradas pelo lado mais conhecido, traçando uma rota entre todas as inscrições, por isso o fator mais importante em relação a esse trecho era colher as suas coordenadas geográficas. Começamos a subida pelo trecho tradicional, margeando o lado direito do Morro, por esta face oeste, à beira do abismo que insiste em nos lembrar da terrível retirada de pedras que ali ocorreu outrora. Sempre nos questionamos sobre quantas riquezas não foram perdidas com o estrondar das dinamites. Seguimos pelo primeiro trecho até próximo a gruta 1, quando decidimos rumar definitivamente pela direita, por um ponto onde há pedras desmoronadas ao que parece por dinamitação. Esse desmoronamento fez surgir (ou ela já havia e foi danificada por ele) uma cavidade muito distinta, o que nos fez avaliar com acurácia se não existiam ali possíveis escrituras. Seguimos margeando até próximo os restos de uma barriguda - Ceiba pubiflora (A.St.-Hil.) K. Schum. (Malvaceae). Essa árvore se partiu bem no ponto de início da “finura”, ficando a "barriga" em pé, por entre as pedras.
 Passamos por ela, à frente Tonhão e Carlos Karatê pesquisavam por onde seria melhor continuar enquanto Marcelo fazia a marcação no GPS das coordenadas daquele trecho desmoronado e seu filho ficava ali por perto. Eu divaguei fotografando a barriguda. Enquanto Tonhão e Karatê debulhavam cada canto e o Marcelo terminava com as coordenadas eu encontrei um fruto que na expedição Mula sem cabeça (da qual ainda vamos tratar) a chuva não havia deixado que fosse seguramente registrado. Trata-se de um fruto negro, de uma liana, Apocynaceae com segurança, faltavam detalhes para determinar se tratava-se de uma Matelea nigra. Pedi então ao Marcelo que cortasse o fruto para que eu pudesse fazer uma melhor observação.
O fruto, tão logo talhado, deixou sair uma exsudação láctea, inodora - me esqueci de determinar a viscosidade. Dentro as estruturas molhadas pelo exsudado estavam organizadas de forma bem arranjada. Esse fruto apresenta curiosos pontos estrelados e esbranquiçados sobre toda a superfície.
 Ato contínuo Marcelo e seu filho se juntaram a ele. Eu avancei subindo vagarosamente verificando o belo entranhamento das cactáceas na rocha. Mais surpreendente que elas apenas as gameleiras - que nos assustam com sua força abraçando, furando e estrangulando as pedras. Detive-me diante uma Tillandsia (Bromeliácea) agarrada em uma arvoreta. Ela lançava seus frutos favos no ar. O Marcelo percebeu o meu interesse e se aproximou para fotografá-la também. Versamos sobre ela, o fato de não trazer nenhum mal à planta hospedeira e buscar os seus nutrientes no ar. Pena não termos encontrado em nenhuma das expedições exemplares floridos. Seguimos um pouco mais, nos afastando de forma considerável do Carlos Karatê e decidimos esperá-lo. Ele então surgiu em outro ponto, um trecho assim: a sua esquerda uma enorme fenda da qual não se via o fim, a sua frente um terrível cansanção ou urtiga - Cnidoscolus sp. (Euphorbiaceae) e a sua direita um enorme cacto enfeitado com belos espinhos. Voltar seria demasiado dispendioso. Peguei o facão com o Marcelo e cortei a urtiga. Logo o Carlos se arranjou e saiu dali. Fizemos nesse momento então uma parada para nos reidratar e alimentar. Sentados na pedra, divagamos assuntos sem importância. Fotografei nesse ponto diversas coroas-de-frade - Melocactus levitestatus (Buining & Brederoo).

Após o descanso de uma meia hora seguimos determinados a parar apenas no Cruzeiro que existe no topo. Seguimos dessa vez num passo mais ligeiro, atingindo em pouco tempo um trecho sem pedras, que demonstra ter sido um cerradão bastante interessante, hoje substituído por pastagem. Antes de chegarmos ao Cruzeiro, porém, uma nova parada. Sentamos ali entre arbusto, tentando decifrar os contornos das montanhas em nossa frente. Tonhão avistou uma formação que seguia em certo trecho, escondendo-se entre os vales. Pediu que eu observasse com a máquina, dei zoom o mais que ela permitia e fotografei. Entramos em um consenso que seria um curso d'água. Sabíamos que a nossa frente estava o Rio das Velhas. Seria ele? Acho que o Marcelo ou o Carlos Karatê, um deles, negou a possibilidade de ser o famoso rio, tratando de esclarecer que ele estava mais adiante daquele ponto. Não rendemos nesse assunto, passando a procurar as edificações de Curvelo. Eu não vi nada, confesso, ao passo de Tonhão já avistara até mesmo o prédio Pioneiro (Prédio da Associação). Acredito que zombava. Visto mesmo, em sua formosura roseana, ativo recadeiro, o Morro da Garça. De cima do Coroado é possível vê-lo em forma e jeito, solitário entre léguas e léguas de eucalipto. Certo que tinham nele, os tropeiros, nos tempos de andação e mata mãe um segue rumo, farol incrustado nos mares secos sem fim dos gerais. Partimos dali, já que o dia ia avançando.

Atravessamos uma mancha de mata onde as angélicas ou veludo branco - Guettarda viburnoides (Cham. & Schltdl.) estavam carregadas. Tive esperança de encontrar alguma fauna, uma avezinha sequer. Até vocalizaram dois sanhaçus-cinzentos (Tangara sayaca), mas é bicho que em todo lugar se vê. Demos logo na outra face do Coroado, numa fenda de onde brota uma vigorosa gameleira - Ficus sp. (Moraceae). À esquerda dela, quase aos seus pés, se atravessa a fenda, seguindo a direita de uma bela coleção de bromeliáceas. Desse ponto se tem uma bela vista da cidade de Presidente Juscelino e do rio Cipó/Paraúna. Interessante o serpenteio que faz o rio, detive-me algum tempo mirolhando esse curioso ziguezague enquanto Tonhão e Carlos faziam apontamentos sobre para onde seguir. Marcelo anotava algo no celular ou GPS, não observei bem, e André, seu filho, observava curioso uma coroa-de-frade. Seguimos em frente nesse ponto que alvoroça em mim o medo inato de altura. Acho que o que mais me apavora é enorme fenda – que nesse ponto ganha contornos assustadores, parecendo dividir o Coroado em dois e temos que transpor, num ponto bem tranquilo, diga-se, mas assusta olhar obrigatoriamente essa falha - e se eu falhar? Passamos em frente, sempre com a fenda a tiracolo. Marcelo deu importantes instruções para o seu filho, sobre nunca chegar à beira do abismo - e Karatê emendou filosofice - que não narro diante a conotação que foi empregada. Pilhérias assim acontecem o tempo todo, fazem parte do anedotário das expedições e têm o poder de nos deixar mais relaxados, principalmente quando não nos sentimos confortáveis. Nesse ponto chegamos à porta da gruta onde, devido a chuva, ficamos escondidos na expedição Mula-sem-cabeça (da qual logo trataremos). Tonhão avançou por um trecho onde não se via o outro lado. Confesso que fiquei temeroso. Carlos Karatê disse que era só impressão, que não havia toda essa dificuldade que aparentava. De outro modo não tinha jeito. Passei adiante e fui o segundo a superar esse obstáculo, atrás de Tonhão: se tem que ir que vá logo! Conversamos então sobre medo, papo rápido. Desse ponto adiante estivemos Tonhão e eu sempre à frente, ele apontando para seguirmos à direita, logo estaríamos diante o paredão das inscrições. Avançamos, todavia, um enorme trecho rente o paredão, onde andavam nos assustando os calangos (Tropidurus torquatus) e as pedras lá em cima, equilibradas por alguma lei da física milagrosa. Não é possível imaginar certos equilíbrios senão com o olhar da mística, muito embora nos obrigamos a pensar com ceticismo. Marcelo, utilizando um apito para comunicar, quis saber de nós. Enquanto seguíamos gritei para ele que estávamos analisando o local para ver se encontrávamos as inscrições. Marcelo então respondeu que ele, Carlos e André ficariam nos esperando. Em um ponto Tonhão acusou novamente um grande cansaço e resolveu ficar. Fiquei um pouco receoso de deixá-lo sozinho, reclamando que estava de palpitações aloucadas dos seus átrios e ventrículos. Fui em frente, já que ele afiançava serem por ali as inscrições.
A cada metro eu olhava meticuloso cada palmo de rocha, suas ranhuras, imperfeições e caminhos traçados por anos a fio de precipitações pluviométricas. Em alguns pontos, guardadas as proporções, me faziam lembrar as vertentes do Espinhaço, lá no caminho de Gouveia, se me engano. Quando se analisa com acurácia à procura de uma coisa mil outras são jogadas na mente, fazendo a gente divagar alusões diversas vezes inadequadas. Tonhão fez um sinal sonoro, quando percebi que havia avançado demais. Retribui com um assovio e logo estávamos novamente juntos. Ele aventou estarmos perdidos, resolvemos descer além das rochas, para a floresta decidual tratada de forma brilhante neste documento. Encontramos uma trilha e fomos por ela, à esquerda, estando Tonhão convencido que tínhamos passado das escrituras. Ele estava demasiado ofegante. Não tive liberdade ou atenção para alertá-lo, o que agora faço: vá fazer um bom check-up, exaustão repentina daquela dimensão não deve ser normal. Avançamos ainda mais à esquerda, por essa trilha, já admitindo estarmos deveras perdidos. Logramos subir, por instinto, para o ponto onde se inicia o paredão do Coroado. Detivemo-nos diante uma rocha que avançava sobre a estradinha. Não notamos, mas ela escondia um caramanchão. Escoramos nessa pedra e argumentávamos onde tínhamos errado o cálculo.
Tonhão então passou pela rocha e disse surpreso: "Olha elas aqui, as inscrições! Não falei que a gente tinha passado por cima de onde elas estavam?" Ele deu uma respirada forte, aliviado. Eu não me detive, fui logo registrando as belezas ali encontradas: infindáveis pontos vermelhos feitos desde rente ao chão até uma altura considerável. Esse traços aventamos se tratar de contagens dos dias. Seria essa parede o calendários dos antigos? Em outro ponto mais a direita figuras de peixes, formas comumente encontradas em todas as cavidades que registramos. Era o homem anterior extremamente afeiçoado ao pescado.

Tonhão fez o registro das coordenadas geográficas e partimos do ponto das escrituras felizes, confesso que a minha extenuação era ínfima diante a alegria de ter chegado àquele ponto, o derradeiro com inscrições que ainda faltava ser catalogado. Avistamos os demais companheiros que estavam acampados em um trecho a uns dez metros acima de nós. Tonhão seguiu reto até eles, eu segui ainda mais a frente, procurando um ponto melhor para subir. Não sei, mas acredito ter encontrado uma passagem bem menos rude que ele, pois logo estava no paredão acima, paralelo a Marcelo, André e Carlos e bem adiante. O Coroado ainda me ofereceu um acalentável ponto sobre uma refrescante sombra. Coloquei a câmera com cuidado em uma pedra tabulada, a mochila em um canto e deitei, não sem antes tomar um belo gole de água e comer da ração que sempre levo nessas empreitadas e me dá energia para vencê-las. Fiquei pensando nas pessoas que fizeram aquelas inscrições e principalmente na ligação que elas tinham com o peixe. Não há uma lapa, um paredão escrito sem que o peixe esteja presente, alguns desenhados com tamanho esmero que, com um pouco de esforço e pesquisa é possível mesmo determinar a espécie. No outro ponto Tonhão já havia alcançado os demais expedicionários e descansavam, falando coisas diversas e confirmando nos aparelhos as coordenadas. De onde eu estava falei em voz alta: "Sempre que viemos nesse lugar vemos um monte de peixes, mas nunca comemos peixe por aqui". Um silêncio veio de onde eles estavam, deveras não deram azo ao que eu disse ou lograram ser uma grande bobagem que não mereceria réplica. Variações de um cansado, talvez isso. Logo percebi que já estavam vindo em minha direção. Fizemos, a partir de então, o caminho de volta.

Sempre considero a descida o momento mais complicado, pois sempre nos perdemos. E dessa vez não foi diferente. Chegamos bem até o Cruzeiro, onde fizemos mais outro repouso para repor as energias. Conversamos aí sobre saúde e principalmente fatores transcendentais, a vida extraterrena e a possibilidade de sermos bem mais perigosos aos ulteriores que eles a nós. A origem de Cristo, o bem e o mau, a Assunção, o momento político e seus personagens, suas dicotomias, semelhanças e diferenças com os reis cangaceiros. Suba uma montanha e você vai falar sobre esses assuntos ou outros de gênero. Voltamos então à descida, ainda em implicações metafísicas.

Rumamos à direita, no intuito de encontrar o caminho de subida que fizemos na expedição Mula sem cabeça, bem menos extenuante. Mais uma vez nos vimos em incógnitas, o GPS garantindo que havíamos vacilado, seguindo bem mais à frente que o recomendado. Fomos analisando o entre fendas e moitas de espinhos. Baixei para ver entre uma galhada, no que meu dedo indicador esquerdo apenas tocou numa pequena urtiga. Imediatamente senti o incômodo, uma ardência terrível que parece subir pelos ossos até a alma. Aos poucos foi amainando e se tornando uma coceira intermitente. Meu dedo então se feriu, o que me deixou com dificuldades para escrever este texto, três dias depois do ocorrido. Com muita dificuldade Carlos Karatê avistou o trecho que fizemos na subida da expedição anterior. Tivemos que descer ainda uma pequena fenda, se não me engano. Nada que não fosse transponível com alguma perspicácia. Atingimos o tão esperado trecho, perto de uma lapinha onde mora uma aranha maria gorda (Nephilengys cruentata) e de onde se avista uma enorme colmeia de Apis melifera. Do lado dessa colmeia há uma fenda e abaixo dela outras inscrições que visitamos anteriormente.

Uma grande surpresa, no entanto estava por surgir. Enquanto Marcelo e eu fotografávamos a aranha Tonhão gritou: "Olha lá o macaco, olha lá o macaco!". Vi apenas ele subindo ligeiro um paredão e sumindo sobre o tabuleiro que outrora havíamos transposto com imensa dificuldade. Era um primata branco, de cara preta e rabilongo. Acreditamos que seja o raro mono carvoeiro (Brachyteles arachnoides). Procurei por ele ainda todo o restante do caminho. Nenhum sinal mais de sua presença ou de algum outro. Não conseguimos registrá-lo fotograficamente, o que é uma pena, já que não é possível pelo que avistamos certificar com segurança a espécie.
Ainda tivemos um pouco mais de dificuldade para encontrar a saída. Fezes frescas de mocó (Kerodon rupestris) estavam sobre as pedras, fator interessante já que nas investidas anteriores não tínhamos encontrado tais resquícios.
Chegamos a uma estrada muito à esquerda do ponto de entrada, o que nos fez concluir que demos uma imensa volta em torno do Coroado. Chegamos ao carro por volta das 15horas e 30min e, depois de um breve descanso, seguimos para Presidente Juscelino. Fizemos um lanche reforçado na mesma padaria da chegada - aliás, a mesma padaria onde sempre passamos em nossas jornadas. Deixamos Carlos Karatê em sua casa - não sem antes registrar o Rio Cipó/Paraúna onde uma senhora lavava roupas e a velha ponte figurava ainda as suas colunas, numa lembrança fugaz do passado.

E assim findou a Expedição Exodontia.